Dívida boa? Sim, ela existe
Você vai ao médico e ele passa exames de sangue. Então você vai ao laboratório e tira o sangue. Depois recebe os resultados e volta ao médico. Só para ouvir do doutor algo que você já desconfiava. Seu colesterol está igual a um balão, nas alturas. Nem é o pior. O pior é que seu colesterol bom (HDL) está mais baixo do que uma plantação de alface. E é justamente este colesterol que ajuda a prevenir uma série de doenças. Na nossa vida financeira, funciona mais ou menos da mesma forma. Há dívidas que são consideradas boas e nos ajudam a ir pra frente.
O exemplo do colesterol está bem claro no livro Dívida boa, dívida ruim, do escritor norte-americano Jon Hanson. Ele também é direto ao explicar a diferença entre os dois tipos de dívidas. “A dívida boa ajuda a pessoa a ganhar dinheiro. O uso da dívida boa aumenta a receita atual, o patrimônio líquido ou a capacidade de previsibilidade das receitas”. Já a dívida ruim reduz o patrimônio líquido da pessoa. “A dívida ruim consome seu dinheiro. Pagar dívidas ruins reduz o fluxo de caixa”, ensina Hanson.
“Existem dívidas que são necessárias. Elas significam que a pessoa está se preparando para dar um salto na vida”, confirma o economista Luiz Maia, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do City Business School, e autor do blog Educação de Bolso. Ele dá um exemplo simples: a compra da casa própria. O durante pode ter algumas dores de cabeça e um aperto no orçamento. Mas, no final, quando o imóvel estiver totalmente quitado, vai virar um patrimônio.
“Por mais que não seja muito dinheiro, você não vai pagar aluguel. E, quando você estiver mais velho, pode vender este patrimônio”, diz Maia. Ele admite que não é fácil, já que para fazer a dívida boa é necessário ter paciência. Ainda segundo o economista, uma dívida de estudo também pode ser considerada boa. Um profissional com graduação que trabalha em uma empresa há algum tempo e vê surgir no horizonte a possibilidade de uma promoção para o cargo de gerente pode fazer uma pós-graduação ou um MBA.
“É uma preparação que pode ser entendida como um investimento. Às vezes, é preciso ficar dois, três anos pagando. Pode até ser uma atitude ousada, mas pode ser algo muito bem visto pelo chefe”, afirma Luiz Maia. Quer outro exemplo de dívida boa? O plano de saúde. É uma dívida constante, que você tem de pagar todo mês. Mas que pode evitar muitos problemas no futuro, como o pagamento de um tratamento caro. Atenção, jovens: a dica do economista é começar a pagar o plano desde cedo, assim que começar trabalhar e ganhar o próprio dinheiro.
Mas mesmo as dívidas boas têm um limite. Luiz Maia recomenda que a parcela não exceda 30% da renda líquida da pessoa (ou do casal). É uma regra geral e, por isso mesmo, cabem exceções. No caso da casa própria, se a família ainda está no aluguel esperando o apartamento ficar pronto, é natural que o comprometimento com prestação e aluguel fique em torno dos 50% da renda líquida. Mas qualquer coisa que supere os 50% pode aumentar a exposição da família ao risco. E qualquer gasto imprevisto pode acabar se transformando em uma dívida ruim.
Para evitar os riscos, tanto Luiz Maia quanto o norte-americano Jon Hanson recomendam a disciplina. Hanson até usa o termo econo-sábio para falar sobre a pessoa que faz tudo certinho, que se planeja para as exigências da vida. “É muito comum falar em exposição ao risco quando estamos falando do mercado de ações. Mas o endividamento também envolve risco. Por isso, quem quer comprar a casa própria deve, bem antes de fechar o negócio, fazer uma poupança prévia para dar de entrada”, explica Maia. Recado dado. Agora é hora de melhorar o colesterol bom.
* Matéria publicada na edição de 26/09 do Diario de Pernambuco