Mudança na Vale pode ampliar participação estatal


Enquanto a polêmica em torno da saída de Roger Agnelli na presidência da Vale segue em evidência, a intervenção em uma empresa privada continua provocando espanto.
Mesmo que atualmente o governo federal goze da posição de um dos principais acionistas da mineradora, conquistar um espaço político relevante dentro da companhia pode representar vantagens adicionais, além da gestão da segunda maior empresa do país.
As informações correm nos bastidores, mas o Planalto, na atual gestão, poucas vezes se posicionou. A principal declaração teria vindo de Antonio Palocci, ministro da Casa Civil, na última quinta-feira (24/3) negando quaisquer interferências do governo. No entanto, o motivo do interesse de Brasília na gestão da companhia segue nebuloso.

Com maior participação nas decisões de uma grande empresa privada, a base governista ganha em possibilidades. "A destinação dos benefícios é a principal discussão aqui", afirma Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras, que considera a mineradora uma "para-estatal".
Ainda que considere o aparelhamento da mineradora um "retrocesso", Sauer aponta que, munido de maior influência na Vale, o governo pode escolher melhor o destino dos recursos da companhia.
"Com alguém deles na presidência, eles decidem para onde vão os projetos, quem serão as empresas contratadas, enfim, para onde vai o dinheiro da companhia", explicita. Com um braço dentro da mineradora, o governo ganha a agilidade de uma estatal para viabilizar investimentos e contratações onde melhor lhe convier, sem esbarar no direito público.
"Uma empresa estatal sempre tem sua flexibilidade muito restrita", avalia o professor da Trevisan Escola de Negócios, Alcides Leite. Nesse sentido, passa a ser aplicado o que o Leite chama de "capitalismo de estado".
"A Vale pode passar a atender a interesses políticos, investir mais em uma região do que na outra. Como uma empresa grande, com sólida capacidade de investimentos, tem poder para interferir diretamente em estados de base governista", aponta o professor.
A manobra não agrada o mercado internacional, aos olhos do chefe da cadeira de Ciências Políticas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Richard Locke. "Misturar as estratégias federais às privadas nunca é bom negócio", aponta o especialista. "Em todo o mundo estão olhando o posicionamento do governo brasileiro e estão se perguntando ‘que estão fazendo?'. Todos sabem que a empresa é bem gerida, isso vai prejudicar a imagem do governo."
Locke, que se diz "fã" do governo brasileiro, em especial do Partido dos Trabalhadores se diz decepcionado. "É um gasto de energia desnecessário."
Internacionalização
O pecado de Agnelli foi estar à frente da menina dos olhos de ambos governos petistas. Para Evaldo Alves, professor da faculdade de Administração e Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), esse pode ser um dos principais objetivos do governo ao querer expandir a sua zona de influências para dentro do setor privado - em específico para dentro da mineradora.
Mesmo com o cenário de ênfase do Brasil no cenário internacional, Alves aponta para uma grande preocupação do governo Dilma Rousseff em projetar a imagem brasileira no exterior na forma da internacionalização de empresas que possam representar a marca Brasil fora do território nacional.
A estrutura pulverizada da mineradora dificulta a entrada agressiva do governo na tomada de sua gestão. "Não vejo o governo brasileiro utilizando a Vale exclusivamente como uma ferramenta de manobra política. No atual nível de maturidade da Vale, isso já não é mais viável."
Ainda que interprete a ação do governo sobre a Vale como uma forma de capitalizar o sucesso da companhia para o governo brasileiro - e não como uma possível ingerência - Alves faz questão de destacar que a abordagem do tema via demissão do presidente da companhia pode não ter sido a melhor escolha.
"Está faltando uma explicação clara do governo sobre qual é o conceito mercadológico que sustenta esse interesse deles na gestão da companhia."
Fonte: Brasil Econômico