Fusão com Bolsa externa pode ajudar BM&F Bovespa a segurar concorrência

SÃO PAULO – O rumor de que seria criada uma Bolsa concorrente à BM&F Bovespa (BVMF3) no mercado brasileiro parece ter se concretizado em verdade.
Nesta terça-feira (15), a gestora de recursos Claritas e a Bats Global Markets, uma plataforma eletrônica com sede nos EUA, apontadas no rumor original, confirmaram que estão mesmo estudando oportunidades no mercado brasileiro.

Apesar da confirmação, a visão dos analistas é de que ainda faltam muitos detalhes para avaliar os impactos no mercado e na própria administradora da Bolsa brasileira.

“Faltam elementos quantitativos – uma nova plataforma vai absorver uma parcela do mercado, mas eu não tenho como avaliar quanto”, destaca Aloísio Lemos, da Ágora.

Os principais envolvidos no assunto não se manifestaram amplamente sobre a notícia. A Bolsa, por exemplo, afirmou que comentaria o assunto em sua coletiva de resultados, marcada para a manhã da próxima sexta-feira (18).

A Claritas, por sua vez, confirmou a assinatura de um memorando de entendimentos com a Bats, mas que a comunicação sobre o negócio ficou a cargo da empresa norte-americana. A Bats não foi encontrada pela InfoMoney para comentar o assunto.

Procurada pela InfoMoney, a Bovesba (Bolsa de Valores de Bahia, Sergipe e Alagoas) – outra envolvida no negócio, segundo os rumores– disse que não pode comentar o assunto por questões de confidencialidade, sem negar ou confirmar as informações. A Bovesba, contudo, pode ter novidades em breve.

Pedras no caminho

Além de longo, o caminho para uma nova Bolsa não deve ser simples, reforça Salomão Santos, diretor de operações da iCash. Primeiramente, é preciso lembrar que abrir uma Bolsa não é simples ou rápido – nas estimativas do analista Daniel Malheiros, da Spinelli, o processo poderia levar cerca de dois anos.

Além disso, Clodoir Vieira, economista-chefe da Souza Barros, lembra que a maioria das corretoras é acionista da BM&F Bovespa. “Não tem porque eles operarem em outra Bolsa, pelo menos no curto prazo. A não ser que um grupo de corretoras deixasse de ser acionista da Bolsa, por exemplo”, aponta.

As opções da Bolsa

Apesar de não poder impedir a entrada de um concorrente no mercado, a BM&F Bovespa pode tomar atitudes para dificultar esse processo.

Algo que foi visto dessa maneira foi o recente anúncio sobre mudanças na política de tarifação, com o objetivo de realinhar as tarifas relativas às atividades de negociação e pós-negociação.

“A Bovespa pode estar se posicionando para reduzir tarifas de execução e elevar taxas de liquidação", apontaram os analistas Kenneth Worthington e Funda Akarsu, do JPMorgan.

Assim, o custo de trading permaneceria inalterado, deixando a empresa em melhor posição para competir com players que atuem na execução, já que seria responsável tanto pela liquidação de suas operações quanto as da concorrente.

"Competir com a Bovespa em execução em um sistema com altos custos de liquidação pode não valer tão a pena, considerando o quanto a concorrência pode ter que pagar para a Bovespa", explica a dupla.

“As atitudes da BM&F realmente são para que o concorrente tenha mais dificuldade de entrar no mercado. É uma forma de ela se consolidar, trazer os grandes operadores mais próximos dela, que são as principais forças de movimento da Bolsa”, destaca Vieira.

Além disso, os analistas não descartam que a Bolsa brasileira se envolva no processo de consolidação do setor que tem sido visto no exterior nas últimas semanas. O economista-chefe da Souza Barros engrossa o coro: “Não tenho dúvida que esse é o caminho hoje, no mundo globalizado”.

“Uma coisa que pode acontecer é uma fusão com uma grande Bolsa – como a CME, por exemplo. Isso seria uma barreira de entrada natural, porque você reduz custos e tem sinergias, ficando mais competitivo”, diz Malheiros.

“[Uma fusão ou parceria] poderia ser uma grande vantagem para a Bolsa, de repente, estar mais capitalizada, baratear os custos”, explica Salomão Santos, da iCash. Contudo, Rafael Giovani, gerente comercial, de Marketing e Relacionamento com o Cliente da UM Investimentos, faz a ressalva de que a associação com um player externo não necessariamente otimizaria custos.

Concorrência

Mas mesmo com as dificuldades já existentes e as que podem aparecer, parece que o interesse no mercado de capitais brasileiro pode mesmo se traduzir em uma competidora para a BM&F Bovespa.

“Acho que falar que o mercado hoje não tem tamanho tem sentido, mas eles estão olhando o mercado lá na frente – e o mercado tem muito potencial”, aponta Malheiros.

Para ele, a criação de uma nova câmara de compensação, como foi veiculado na mídia, seria uma maneira de driblar as barreiras de custos impostas pela BM&F Bovespa.

“Como o pós-trading é obrigatório, ou você terceiriza da Bovespa ou você monta toda a estrutura, da negociação a liquidação e custódia. Aumentaria os custos iniciais, mas por outro lado não tem que pagar para a Bovespa durante as negociações, deixando o negócio mais competitivo”, afirma.

“Claro que minimiza o crescimento esperado para a BM&F Bovespa, mas o crescimento vai acontecer do mesmo jeito – o mercado brasileiro ainda vai evoluir muito em termos de volume, por isso o interesse por aqui”, completa Lemos, da Ágora.

O analista faz um paralelo com o mercado de cartões – que tem “espaço para todo mundo”. “A diferença é que já dá para sentir a concorrência entre Redecard e Cielo, com redução de margem de lucro. Com a Bovespa isso não seria tão visível, porque é só ela”, explica.

De modo geral, a visão é que a BM&F Bovespa é uma empresa bem posicionada, com reputação e expertise, bem capitalizada e boa pagadora de dividendos –ou seja, mesmo com um novo player, seus fundamentos de longo prazo talvez não sofram com a entrada de uma concorrente– o que poderia ser benéfico para o desenvolvimento do mercado.

“Para o investidor, concorrência é sempre interessante, porque hoje estamos só na mão da BM&F Bovespa. Para o investidor, ter mais opções é bom – olhando o caso da telefonia, por exemplo”, diz Vieira, da Souza Barros.

“O mercado de capitais exige certa credibilidade, e junto ao investidor pessoa física – que é o que interessa – você criar uma nova Bolsa talvez seja mesmo dividir a fatia do bolo, então não é necessariamente crescer o mercado”, frisa Giovani, da UM. Para ele, o principal problema é exatamente atrair novos clientes – o que poderia não ser solucionado com a criação de uma nova Bolsa.
E pra onde vão as ações?

Mas e qual o impacto nas ações da BM&F Bovespa da entrada de um novo player no mercado? Afinal, na sessão dessa terça-feira, os papéis despencaram 4,74%. “Todo mundo sabe que abrir uma nova plataforma de negociação não seria fácil, mas viu-se que pode ser real”, explica Santos, da iCash.

“Acho que é um momento mais pontual, mas investidores aproveitam para realizar [vender ações e embolsar lucro], claro”, afirma Vieira, da Souza Barros. No longo prazo, a visão do analista é que a estratégia da concorrente teria que ser estudada – especialmente no início de suas operações, quando deve “pegar mais pesado” para conseguir clientes.

A opinião de que a queda é passageira, contudo, não é unânime. “Já estávamos cautelosos com o papel, porque o fluxo de notícias tem sido bastante negativo – que por si só já pelo menos segura a ação”, explica Malheiros, da Spinelli.

A expectativa do analista é que o noticiário siga pressionando as ações e, caso a nova Bolsa realmente se confirme, pode levar a reavaliações de analistas sobre os ativos BVMF3. “Ainda é cedo, não temos dados para trabalhar - mas é um risco” destaca Malheiros, que por ora mantém a recomendação de manutenção aos ativos, com target de R 14,17.

Já Giovani, da UM, destaca que a concorrência não é a única pressão sobre os ativos. “Tem uma série de fatores que pesam, como a alta da Selic, que é ruim pra Bolsa também”, frisa. O impacto da concorrência viria só no longo prazo, e ainda assim, não seria tão sério assim. “Não é porque a Esso vende gasolina que a ação da Petrobras cai”, exemplifica.

Fonte: Uol economia

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